Já passava de uma da manhã e a estrela Sírius
ia se despedindo. Olhando um pouco para o oeste deste astro pude localizar o
cinturão de Órion – famosa Três Marias – e divaguei sobre o esplendor dos céus,
sobre a grandeza do que há lá fora e, quase nietzscheanamente, sobre o que há
aqui dentro.
Pensei em como as pessoas de outras épocas
podiam considerar o mundo como sendo plano, afinal, tudo fica girando. Mas tudo
bem, isso parece óbvio para nesse século, mas nem sempre foi assim.
Segundos, minutos, horas, dias, semanas,
meses, anos, décadas, séculos, milênios e eras – nesse mundo contemporâneo até
os milésimos de segundo fazem toda diferença e se transformam em recordes
mundiais. Às vezes fico imaginando com deveria ser o mundo e, principalmente, a
vida por volta dos anos de 1300. Vou mais fundo e me vejo no meio de batalhas
épicas entre gregos e o resto do mundo. Tento conceber como deveriam ser os
sentimentos, os passatempos, as conversas em momentos de escuridão, na calada
da noite, sem muros para ‘proteção’. Dois amigos, um casal de namorados, um pai
com um filho ou uma oração para os deuses. Até consigo visualizar e ouvir os
surros dessas conversas no ar, chegando aos meus ouvidos 2000, 3000, 4000 mil
anos depois de serem lançadas a esmo, mas de nada importa, isso é o que EU
consigo imaginar e criar, não é o que aconteceu realmente.
Pego alguns livros de História, uso de alguns
artifícios para potencializar a criatividade e então... nada! As informações
contidas ali não são do cotidiano, são apenas fatos grandiosos que deveriam ser
passados adiante. Pouco me importa, eles não me contam como era o mundo antigo.
Não me contam seus medos, suas brincadeiras, a essência de sua fé, o motivo de
seus risos, os sonhos que não foram alcançados, a garota tão desejada, as
festas, as bebedeiras, os melhores amigos, etc. Não vejo nada disso. Vejo
Política, Cultura, Sociedade e Economia. E pergunto: isso define ou explica um
povo? Não. Ou pelo menos espero que não. Imagine daqui 2000 anos um homem
tentando fazer História sobre nossa vida: ‘era um povo que não se importava com
cultura, a música deles só falava de festa, carro, mulher (ou homem), todos
faziam faculdade – não importa a idade e bebida. Política era algo distante do
imaginário dessa sociedade. Educação existia no papel, mas na vida real ninguém
se importava ou dava valor e a economia? Que economia?’ Ou melhor: ‘era um povo
que cultuava o corpo através de suas músicas, o consumo desenfreado era a força
motora dessa sociedade, todos tinham curso superior e, nesse estágio, decidiam
ser músicos ou seguir outra carreira. A Política era pouco importante e era
deixada para ladrões, mentirosos e pessoas sem formação intelectual. A Economia
era baseada na livre iniciativa e todos podiam enriquecer e ter a vida de reis.’
Somos isso? Provavelmente é o que escreverão. Piada!
Somos uma equação impossível de responder,
uma gama de misturas que continuam a se misturar e reformular as características
de nossa sociedade. Somos um povo analfabeto, mas aprendendo a dar valor na
educação. Somos um povo sem cultura porque roubaram e mataram a nossa, mas
agora tentamos recriá-la. Acreditem, Rio de Janeiro não é funk, favela e droga;
São Paulo não é fábrica, poluição e gente morta; Porto Alegre não é praia, gay e
chimarrão; Curitiba não é neve, pessoas autossuficientes e solidão;
Florianópolis não é só calor, gente bonita e maconha; Nordeste não é deserto,
facada e cabra; Amazonas não é floresta, índio e bicho; Bahia não é carnaval o
ano inteiro, gente preguiçosa e acarajé; Goiânia não tem só cowboy, sertanejo e
homem corno; Cuiabá não é o lugar mais quente do mundo, tererê e pantanal, o
Brasil não é a 6º potência econômica do mundo, o Lula não foi um ótimo
presidente e o pobre de hoje ainda é pobre.
O que quero expor com isso é que devemos
redefinir nossa identidade, senão, num futuro, seremos uma historiografia digna
de dó, sem relevância para estudos e taxados como uma mentalidade atrasada,
assim como já somos.
‘Alternativas são oferecidas, não impostas.’
- disse Gessinger. Posso passar a vida dizendo que sou gênio sem mover uma
palha ou posso realizar um trabalho que mude o pensamento do mundo todo e
ganhar esse título. Cabe a cada um escolher a mentira que quer acreditar.
Os governantes desse país deveriam pensar
nisso, mas estão ocupados demais manipulando dados estatísticos para dizer que
estamos em desenvolvimento ao invés de investir em infraestrutura para que possamos
crescer e nos tornar uma potência de verdade.
Bife’s
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