sexta-feira, 16 de março de 2012

Eu sobrevivi ao capitalismo.

Minha história de amor com o capitalismo começa no início do séc. XXI, quando eu, ainda jovem e sem muito estudo, entendi um dos primeiros fatores da livre concorrência: a falência. Eram anos de luxo na vida de minha família, o comércio de meu pai ia de bom a melhor. Sem muito conhecimento, mas sabendo fazer contas, fechava o caixa para ele todos os dias, eu sabia que tinha muito dinheiro ali, mas não tinha noção de quanto aquilo realmente valia. Foi então que veio ‘à crise’ – ano de 2003 -, o dinheiro simplesmente acabou. Não apenas o do meu pai, mas acabou o de todo mundo mesmo! Se não foi isso o que aconteceu, a única explicação lógica seria dizer que o mundo desistiu de comer pão e beber leite, mas não acredito nisso. Como todo comerciante, meu pai tentou e tentou novamente e, como um ser racional, abriu mão do que tinha antes que o mundo abrisse mão dele. Outra lição do nosso capitalismo, você só tem valor se você gera algum valor, caso contrário será esquecido na sarjeta do tempo.
Nesse mesmo ano, minha mãe, até então concursada pelo Estado, tinha toda a estabilidade desejada por um ser humano da época (e de agora), dinheiro todo dia 1º na conta, plano de saúde, plano de carreira e, o que mais importava na época, não seria demitida. Então o capitalismo mostrou seu rosto novamente e me ensinou outro fator muito importante dentro dele: no Capitalismo estabilidade só existe pra quem é muito rico, mas muito rico mesmo. Minha mãe – coitada –, por sua vez aprendeu que para o Estado algumas áreas não têm importância e devem deixar de existir e, enquanto eu assistia a um filme na Sessão da Tarde, vi minha mãe entrando pela porta da sala aos prantos e dizendo essas palavras:
- Eu nunca fiquei desempregada desde os 18 anos.
‘Parabéns mãe, agora você irá conhecer o que o desemprego. ’ – pensei, mas não sonhava que esse tal desemprego poderia trazer coisas muito piores que eu, até 10 meses atrás, não acreditava, como depressão, crises de pânico, entre outras coisas.
O Capitalismo tinha feito sua obra de arte na vida de minha família, pai e mãe desempregados, crises diárias, ameaças constantes de fim de relacionamento e eu, um mero camponês nesse mundo de desilusões, comecei a conhecer a boemia e a liberdade: álcool, caronas, mulheres, amigos de todos os tipos e ‘outras coisitas mais.’
Bom, então o nosso querido amigo, a evolução suprema do seres humanos (que vergonha imaginar que seremos no máximo isso), o Capitalismo sorriu para nós e nos ensinou que: se você não tiver como sustentar sua família, dar uma educação melhor para seus filhos, por o que comer dentro de casa, chegar a beira da loucura, ao fundo do poço, ao nível extremo de stress, próximo a um colapso de nervos, por quase dois anos e sobreviver a isso, você pode ter uma segunda chance, afinal você é um vencedor. E foi isso que aconteceu, eles venceram! Ambos concursados, ganhando seu dinheiro, com plano de saúde, salários cumulativos, gratificações anuais, participação nos lucros e tudo mais o que se tem direito.
Mas a vida, meu caro, não é um mar de rosas. Agora faltava eu entender na pele o que era o Capitalismo.
Completei 19 anos, entrei em um concurso público e resolvi descobrir o que era morar sozinho com 440 reais: aluguel, água, luz, alimentação, transporte e vícios para pagar. Não incluindo as roupas, porque isso basicamente eu tive que banir da minha vida, revezando cuecas - uma por semana -, meias não existiam e camisetas era 4 – no total. Então entendi como era a vida de milhares de brasileiros, entendi também o que era o ‘famoso jeitinho brasileiro’ e a frase que move o país ‘brasileiro não desisti’ – e nem deve, porque se desistir morre. Simples assim. Mas calma gente, a vida é um mar de rosas e, como tal, resolveu me presentear, após dois nessa vida, passei a ganhar um salário de mil e quinhentos reais e, como todo hipócrita, aprendi uma outra lição do capitalismo: esbanjar! Meses de luxo, pagava para fazerem tudo. Lavar minhas roupas (que passei a ter), para limpar a casa, para comer. Simplesmente tudo que era possível pagar, eu pagava. E como amava aquilo, afinal sou hipócrita. Odeio o capitalismo, mas sou capitalista gente, por favor. Foi então que a evolução do mercantilismo, com todos os seus meio para surpreender nós, reles mortais, me mostrou outro segredo: dinheiro acaba. E foi então que conheci a miséria mais mensurável de todas: o auto-engano. Não tinha mais dinheiro, mas tinha cartões, limites bancários, empréstimos. Como um bom capitalista, gastei TUDO, DUAS VEZES! É necessário o riso aqui nesse ponto ( HDUEHDUEHDUHEDHEUHDUEHD), mas continuemos. Consegui endividar até a minha alma. E então descobri um segredo que meu pai e minha mãe já conheciam a tempos: o que é o desemprego, o que é não ter dinheiro para comprar uma bala, o que é voltar pra casa dos seus pais sem ter nada, sem poder sustentar até seus vícios. Descobri então o que é a crise de ansiedade que leva ao pânico, descobri o que é se sentir um lixo todos os dias, o que é ter vontade de morrer,  ter alguns pensamentos suicidas. Entendi a dificuldade em procurar e encontrar um emprego entendi que a sociedade que te forma é a mesma que te exclui. Entendi que oportunidades só existem para pessoas que estão no meio burguês e entendi muitas outras coisas.
Apesar disso tudo, eu sobrevivi ao Capitalismo. Ele me mostrou várias de suas faces, várias de seus caminhos e vários fins para acabar com a minha dor e meus medos, mas resolvi partir para outro lado, um lado de busca, de conhecimento, de ajuda ao próximo, de elevação de espírito e sair um pouco desse mundo que estava vivendo. Isso me fez ficar vivo, isso me fez viver e espero que ajude alguns de vocês a ter esse luxo, porque nesse mundo Capitalista, viver, mas viver de verdade, é só pra quem tem muito, mas muito dinheiro. 

Bife's

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